Saudades de quando os dias eram compridos e as tardes não tinham pressa.
De quando o tempo corria descalço comigo pelas calçadas quentes,
e o mundo cabia inteiro no quintal da casa da vó ou na rua da frente.
Lembro do cheiro de poeira misturado com riso,
das mãos sujas de terra e do coração limpo de qualquer malícia.
Éramos só nós — eu, meu irmão e os amigos, a bola, as bonecas, as bolinhas de gude .
E o céu aberto como um convite para nunca crescer.
Brincávamos até o sol começar a se esconder atrás dos telhados,
como se ele também estivesse cansado de tanta correria e gargalhada.
E então vinha aquela voz conhecida da mãe chamando:
“Já pro banho!” —
Ah, como era difícil interromper um mundo inteiro de faz de conta
só pra lavar o corpo de um dia feliz.
Mas a vida seguia simples, cheia de repetições doces:
pão com manteiga derretendo no café da tarde,
as novelas de fundo,
as histórias contadas com exagero pelos mais velhos na calçada.
Tínhamos o luxo de não saber do mundo,
porque o nosso universo bastava.
A única urgência era não perder o próximo jogo,
o próximo esconderijo, o último raio de sol.
Hoje, a vida pesa mais,
o tempo parece correr mais rápido,
e a gente se pergunta quando foi que deixou de ser criança.
Mas dentro de mim, ainda mora aquela menina
que corria livre,
ria alto,
e só se preocupava em entrar para o banho.
Por Rosa Maria.