No último fim de semana, a FNL (Frente Nacional de Luta Campo e Cidade) invadiu a Fazenda Fernanda, localizada no município de Japorã (MS), enquanto ontem (23/03) a coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) informou que 450 famílias ligadas ao movimento devem acampar já nos próximos dias na região do Assentamento Itamarati, no município de Ponta Porã (MS, bem como entre os municípios de Corguinho (MS) e Rochedo (MS).
A invasão e a ameaça de novas invasões colocaram em alerta o setor produtivo de Mato Grosso do Sul, que tratou de procurar, na noite de ontem (23/03) o governador Eduardo Riedel (PSDB), para falar sobre a questão rural no Estado. “Como governador é preciso ouvir todos os atores envolvidos, e fazer com que o Estado cumpra seu papel de garantir o cumprimento da lei e evitar conflitos”, afirmou.
O encontro teve a participação da senadora Tereza Cristina (PP-MS) e do presidente do Sistema Famasul, Marcelo Bertoni, bem como do secretário estadual de Justiça e Segurança Pública, Antonio Carlos Videira, e do secretário estadual de Governo e Gestão Estratégica, Pedro Arlei Caravina. A direção da Famasul classificou as articulações dos sem terra como um movimento de cunho político e ideológico.
“Tais invasões seriam motivadas, de acordo com declarações dessas lideranças noticiadas pela imprensa, para pressionar as autoridades competentes a encaminharem tais áreas para reforma agrária e para que seja organizado um assentamento imediato de famílias que lutam pelo direito à terra”, afirmou o presidente da Famasul.
Apesar de não ter participado da reunião, o presidente da Acrissul (Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul), Guilherme de Barros Bumlai, divulgou nota de repúdio às invasões ocorridas durante o feriado de carnaval no Estado. Ele destacou que a solução da questão fundiária brasileira depende de interlocução entre os poderes constituídos da República, devendo prevalecer, sempre, a segurança jurídica e o devido processo legal, não podendo ser admitidas quaisquer espécies de invasão, seja em bens públicos, seja em bens particulares.
“A instituição da invasão de terras é violação ao direito de propriedade, coloca em risco não tão somente vidas como também a segurança jurídica do produtor rural e alimentar da sociedade, afetando toda a cadeia produtiva do agronegócio”, disse Guilherme Bumlai, informando que continuará vigilante e na proteção do legítimo direito de propriedade. “Já oficiamos e iniciamos a interlocução com as autoridades competentes para que tomem medidas legais preventivas para coibir tais atos”, finalizou.
Deputados
Diante de casos crescentes de acampamentos sem terra em Mato Grosso do Sul, parlamentares da Assembleia Legislativa divergiram quanto ao perfil das famílias que invadiram áreas e suas intenções, mas concordaram que uma atitude precisa ser tomada pelo Governo do Estado. O deputado estadual Rafael Tavares (PRTB) disse que oficiou nominalmente o governador para haver uma resposta “mais enérgica” para as ações de ocupação que acontecem pelo interior do Estado.
“Para que ele [Riedel] deixe claro para esses movimentos aí, que no Mato Grosso do Sul não tem espaço para terrorismo. O poder executivo tem que sinalizar isso. Não é porque o ex presidiário hoje está no comando da nação, que o país vai voltar a ser a bagunça de antigamente que era durante os governos do PT”, afirmou o parlamentar, completando que, muitas das vezes, as pessoas nessa situação buscam um espaço para sobreviver, mas cita que “não é o meio correto você invadir a propriedade de alguém”.
Já o deputado estadual João Henrique Catan (PL) fez um paralelo entre os ataques terroristas de 8 de janeiro, quando foram registrados vandalismos contra o patrimônio público, e a situação que alguns fazendeiros enfrentam atualmente. “Agora – nas leis, no direito criminal, penal -, o crime de violação da propriedade privada, que deveria, neste momento, chamar tanta atenção e ser punido adequadamente, não tem a tratativa da mesma regra, no mesmo parâmetro”, declarou.
Catan ainda chama o Luiz Inácio Lula da Silva de “criminoso”, dizendo que o mandatário eleito busca mudar a política agrária do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ele classifica como “de libertação”. “Não sou contra a gente ter um processo de desenvolvimento agrário no País. Sou contra a violação do direito absoluto de propriedade, liberdade de expressão. Nossas garantias constitucionais fundamentais estão sendo violadas e ninguém está dando a devida atenção. Temo que isso aqui, daqui a pouco, vire uma Venezuela, uma Cuba”, argumentou.
Petistas
Os deputados estaduais Zeca do PT e Amarildo Cruz (PT) acreditam que as famílias ligadas ao MST buscam algo “justo” e tem “bom senso” para não sair simplesmente ocupando territórios. “Sabem que ocupar por ocupar não vai resolver. Na medida que o governo Lula está começando, não tem o recurso ainda disponível, porque o Lula quer comprar terra para fazer assentamento de forma pacífica”, apontou Zeca.
Segundo ele, o atual governo recebeu “terra arrasada” de Jair Bolsonaro, sem ter recursos para o que Zeca classifica como “fundamental”. “Ou seja, os assentamentos que já existem a gente fazer produzir para melhorar a vida de quem já está assentado”, complementa o parlamentar.
Conforme Zeca, o que vem acontecendo são acampamentos à beira da estrada, que surgem como “mecanismo de pressão política legítimo”. “Se não partir para o tudo ou nada, sem problema nenhum. Me estranha muita gente da mídia, empresários e pessoal do agronegócio dizer que os sem-terra estão acampando. Eles não acamparam na frente dos quartéis, xingando as pessoas; proibindo o direito de ir e vir; pedindo ditadura militar? E ninguém se constrangeu com isso”.
Zeca diz não apoiar o que chama de “ocupação por ocupação”, mas aponta que essas famílias geralmente buscam levantar terra que eventualmente esteja improdutiva, ou que queira ser comercializada, para quando tiver dinheiro o governo federal comprar. “Meu mandato, portanto, vai servir para a gente buscar recursos, em parceria com o governo Riedel e com o governo de Lula, para a gente fazer aqueles que estão assentados produzirem e melhorarem de vida”, diz.
Já Amarildo Cruz diz que conhece o movimento e considera o grupo organizado, uma vez que, segundo o parlamentar, lutam por algo “extremamente justo” que é a democratização ao acesso à Terra. “A Terra não pode estar concentrada na mão de poucos em detrimento de muitos, inclusive de gente que depende e tem talento pra viver, principalmente a agricultura familiar, da pequena propriedade, para uma pessoa sozinha plantar de 50 a 70 mil hectares de soja, por exemplo, sem colocar nenhum tipo de alimento na mesa do brasileiro”, fala .
Conforme o deputado, os sem terra falam em “ocupação” e não em “invasão”, e considera isso uma forma de poderem levar a reivindicação adiante, já que Amarildo diz que, nos últimos anos, qualquer tipo de avanço ao processo de democratização da terra foi paralisado. “Eles têm uma estratégia de ocupação. A falta de emprego e a fome não esperam. Elas têm urgência e, obviamente, que isso é uma estratégia que o movimento sempre aderiu. Acho que faz parte, dentro do campo da organização, da democracia e da não violência”, pontuou.
Câmara Federal
O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS) fez questão de manifestar, por meio de nota, seu repúdio aos atos de invasões coordenados pelo grupo da FNL. “Tivemos quatro anos de tranquilidade no campo, com recordes nas regularizações fundiárias por todo o Brasil, não podemos permitir esse retrocesso”, afirmou o parlamentar.
Ele lembrou também que o PT criou novamente um clima de insegurança. “A indicação de uma ativista do movimento dos sem terra para o comando do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reforçou a tensão”, disse o deputado.
O parlamentar ressaltou a importância de debater e manter os avanços alcançados pelo governo do presidente Jair Bolsonaro e também lembrou da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que determinou a instalação de comissões de conflitos fundiários nos tribunais de justiça e tribunais federais de todo o país. “Externo preocupação diante deste contexto, pois este mecanismo pode atrasar ou até mesmo inviabilizar a reintegração do direito de propriedade aos produtores invadidos”, finalizou.
Em suas redes sociais, o deputado federal Luiz Ovando (PP/MS) afirmou que o “Carnaval Vermelho”, nome que foi dado ao novo ciclo de invasões coordenadas de propriedades rurais em todo o país, foi apenas o início. Em sua publicação, ele afirmou que “a volta dos sem-terra era certa com a vitória de Lula”.
O deputado também reforça que “qualquer invasão de terras deve ser considerada uma afronta ao estado democrático de direito”, e pede que as autoridades atuem para desmobilizar as invasões e responsabilizem criminalmente os envolvidos.
“Elas (invasões) geram conflitos entre proprietários rurais e movimentos sem-terra, o que pode levar a episódios de violência e prejuízos financeiros. Esses conflitos também podem ter impactos negativos na economia local, afetando a produção agropecuária e a geração de empregos”, destacou.