Antes tarde do que nunca: libera o topless, Brasil

“A sensação térmica chega a 60 graus. E mulheres não só são proibidas de tomar sol sem a parte de cima do biquíni como podem ser algemadas e jogadas em um camburão. Estamos falando da Arábia Saudita?”, questiona Nina Lemos. Nesta foto, protesto na praia de Ipanema em 2013 contra veto ao topless.

Não é possível que mulheres ainda corram o risco de serem presas por tomarem sol sem a parte de cima do biquíni. Isso não é “atentado ao pudor”, mas atentado contra a igualdade de gênero e a liberdade das mulheres.

“Como assim o topless é proibido no Brasil?”. Quem mora na Europa já se acostumou a responder essa pergunta. Na Alemanha, país onde a nudez é parte da cultura e onde mulheres podem fazer topless agora até em piscinas públicas, como testei aqui, o choque é ainda maior.

O topless, assim como a nudez, são tão naturais na Alemanha que eu contei mais de 200 pessoas, em sua maioria idosos, pelados em um lago perto de uma avenida em Berlim no verão deste ano.

Mas não, os alemães não esperam que todos os países sejam tão liberais com o corpo como eles são. O que assusta, e acho que faz todo sentido, é essa proibição acontecer em um lugar como o Brasil. Ora, não estamos falando de um país absolutista onde mulheres precisam cobrir os cabelos para andar na rua, mas da terra que exporta imagens de mulheres lindas com os seios (e quase tudo) expostos todos os carnavais. Do país do gingado e da Brazilan butt lift, uma forma de cirurgia plástica no bumbum que é conhecida mundo afora como “bunda brasileira”.

Infelizmente, a imagem da “mulher brasileira para exportação” ainda é muito difundida entre os gringos. Nada contra essas mulheres maravilhosas. Tudo contra o estereótipo de que todas brasileiras são gostosas que sambam bem. Somos plurais, certo? 

É mesmo chocante que nesse mesmo país mulheres ainda possam ser PRESAS por não usar a parte de cima do biquíni. E não estou falando dos anos 50, mas de 2023.  

É o que aconteceu com a empresária Caroline Werner, de 37 anos. Em maio, ela andava no sol sem a parte de cima do biquíni em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, quando foi algemada, jogada em um camburão e, depois, em uma cela. Ela foi presa (e depois liberada) em um suposto cumprimento da lei 233, que descreve ato obsceno. Em entrevista dada ao portal G1 na semana passada, a empresária e seu advogado disseram que pretendem processar o estado por dano moral e persecução criminal.

Ela desabafou: “Infelizmente no meu país, por mais que a Constituição assegure a igualdade de gênero, na prática isso não ocorre, não posso ter a mesma liberdade e me sinto coagida de fazer por esse sistema e pela interpretação repressiva da lei. O que deveria ser natural para os dois gêneros acaba sendo negado a um deles de maneira arbitrária e repressiva.”

A empresária tem toda razão. Estamos em 2023. A sensação térmica chega a 60 graus. E mulheres não só são proibidas de tomar sol sem a parte de cima do biquíni como podem ser algemadas e jogadas em um camburão. Estamos falando da Arábia Saudita?

Luta antiga

Essa não é uma discussão nova, muito pelo contrário. Lembro, quando eu era criança, de ver imagens na TV de mulheres levando pedras e areia na cara por ousarem fazer topless na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. A cena foi mostrada até em uma novela da Globo.

Sim, em 1980, o dramaturgo Gilberto Braga mostrou a luta das mulheres pelo direito de fazer topless na praia, então uma discussão em voga. Em uma cena icônica, a personagem Stella Simpson, interpretada por Tônia Carrero, tirava a parte do biquíni na praia e era atacada por isso. Estou falando de 1980, gente, mais de 40 anos atrás.

As mulheres brasileiras continuam com a mesma luta e cada vez mais se rebelam contra essa norma. Uma prova: nos últimos anos, mulheres de todos os corpos passaram a ir a blocos de Carnaval com os seios à mostra como uma atitude feminista, no maior estilo “meu corpo, minhas regras”. Quem experimenta fala com entusiasmo da sensação de liberdade que sentem. Uma euforia daquelas que só quem é privado de algo conhece.  

Mas é preciso mais. Não é possível que em 2023, quase 2024, mulheres ainda corram o risco de serem algemadas e presas por tomarem sol sem a parte de cima do biquíni. Isso não é “atentado ao pudor”, mas atentado contra a igualdade de gênero e à liberdade das mulheres de fazerem o que bem entenderem com os seus corpos. E, claro, não estou falando que todas as mulheres têm que fazer topless. Apenas que isso possa ser adotado por quem tem vontade.

Será que o “tomar sol com o peito nu” em um país tão quente seria proibido se a lei também valesse para os homens? Duvido. Afinal, as leis foram feitas principalmente por eles.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

Nina Lemos

Nina Lemos Colunista

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