Você é funcionário público efetivo. Submeteu-se a um concurso. A partir da aprovação buscou planejar suas vida e carreira. Quando iria aposentar-se. Quanto deveria poupar e quanto poderia gastar. Eis que no “meio do caminho” mudaram – e por mais de uma vez – todas as regras. Aí você ficou assim. Desse jeito. Com essa cara.
Inseguro, reduziu ao máximo suas despesas. Deixou de gastar.
Você é empresário. Investiu no seu país. Gerou empregos. Tornou-se um consumidor de insumos, multiplicando as relações econômicas. Subitamente mudaram as leis que regiam sua área de atuação. Desesperado, você vendeu sua empresa a algum estrangeiro (o que tem acontecido em 70% dos casos nas últimas décadas), recolheu-se e foi “viver a vida”.
Você é um pequeno poupador. Ao longo da vida construiu uma poupança. Para alguns, de pequeno valor – mas para você tudo. Absolutamente tudo. Chegou-lhe a velhice. E aconteceu de, do dia para a noite, mudarem as regras. Suas economias desapareceram ou perderam brutalmente o valor. Você deixou de ser um consumidor em potencial e passou a ser um destinatário da compaixão dos filhos.
Você é um trabalhador da iniciativa privada. Conseguiu um emprego, daqueles “de carteira assinada”. Dedicou-se a ele – e conforme suas possibilidades começou a pensar no futuro. Eis que, de repente, resolveram alterar todo o cenário. Sua carreira desmoronou – assim como seu poder aquisitivo e sua segurança financeira.
Você é um perigoso marginal. Sabe que se cometer dado crime poderá ser preso. Mas igualmente percebe que as mudanças legislativa e de interpretação tornam eventual punição algo cada vez mais distante. E chega à conclusão de que vale a pena arriscar – com imenso prejuízo para a organização do país.
Já percebeu que o maior motor de uma economia sólida e poderosa é a confiança nas regras? Agora vá à janela.
Contemple o seu país, há décadas sob reformas redentoras, salvadoras e purificadoras. E pergunte-se: como temos considerado a estabilidade jurídica?
Fica uma humilde sugestão: nada contra reformar ou aprimorar nossas leis e entendimentos judiciais. Evoluir faz parte da vida, afinal. Melhorar é necessário. Porém, estejamos atentos à tão jocosa quanto séria advertência de Otto Lara Resende, segundo quem no Brasil até o passado se tornou imprevisível.
Foto arquivo Agência Brasil
Pedro Valls Feu Rosa
Pedro Valls Feu Rosa, desembargador desde 1994, foi presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) no biênio 2012/2013.
Fonte – Congresso em Foco