Águas Guariroba, Rumo e CCR MSVia; o que elas têm em comum?

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O que as empresas Rumo, CCR MSVia e Águas Guariroba têm em comum? As três são as administradoras da ferrovia Malha Oeste, do trecho da BR-163 que corta Mato Grosso do Sul e do fornecimento de água potável e esgotamento sanitário de Campo Grande, serviços que outrora eram públicos e foram privatizados, mas, ao invés de melhorar para a população, trouxeram diversos problemas.

No caso da estrada de ferro, a Rumo, que nasceu da fusão entre a Rumo Logística, do Grupo Cosan, e da ALL, comprou a maior malha ferroviária do Brasil, com 12 mil quilômetros de trilhos administrados por meio de quatro concessões. No princípio, a empresa, com seus 27 mil vagões e cerca de 1.000 locomotivas, transportava, por ano, mais de 30 milhões de toneladas de commodities agrícolas e produtos industriais.

Porém, nos últimos anos, a poderosa Rumo perdeu a direção e obrigou o Governo Federal a anunciar um processo de relicitação da ferrovia Malha Oeste, que atravessa Mato Grosso do Sul de leste a oeste. Prorrogado no início deste ano por mais 24 meses, a resolução que dá mais prazo para o governo federal levar adiante o processo de escolha de um novo operador da estrada de ferro foi publicado no Diário Oficial da União do dia 15 de fevereiro e foi assinada pelos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Renan Filho, dos Transportes.

O novo prazo de conclusão do processo de relicitação começou a contar no mês de fevereiro e vai até fevereiro de 2025. Até lá, não há garantia alguma de que neste período haverá alguma obra de reforma na ferrovia, que foi a primeira no território de Mato Grosso do Sul. Nos planos anteriores, os estudos deveriam ser concluídos já neste primeiro trimestre de 2023, mesmo período em que seria realizada a consulta pública, em que seriam prospectados eventuais interessados.

No terceiro trimestre deste ano, estaria previsto um acórdão do TCU (Tribunal de Contas da União) e posteriormente o lançamento do edital. O leilão ocorreria até o fim deste ano e o contrato, na previsão anterior do Plano de Parcerias de Investimentos, já no primeiro trimestre de 2024. Ao retomar a posse, a nova administração federal encontrou o processo quase sem nenhum avanço e os estudos terão de começar praticamente do zero.

A Malha Oeste foi fundada em 1914, como Ferrovia Noroeste do Brasil, ligando as cidades de Bauru (SP) a Corumbá (MS). Atualmente, o trecho denominado Malha Oeste liga Mairinque (SP) a Corumbá, e tem 1.973 quilômetros de extensão, que também inclui um ramal entre Campo Grande e Ponta Porã (MS). A ferrovia está sob concessão da Rumo, que não faz uso algum do trecho, que é considerado por muitos especialistas em logística como sucateado.

O problema, porém, não é falta de demanda: só em Mato Grosso do Sul a ferrovia poderia transportar minério de ferro, grãos e celulose, por exemplo. Em julho de 2020, a Rumo protocolou, junto à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), pedido de adesão a processo de relicitação (devolução da concessão) referente ao Contrato de Concessão celebrado com a União, nos termos da Lei nº 13.448 de 5 de junho de 2017 e regulamentado pelo Decreto nº 9.957/2019.

Apesar de o tema ser tratado como prioridade pelo governador Eduardo Riedel (PSDB), ainda não há perspectiva de investidores interessados em requalificar a ferrovia. Para isso, são necessários pelo menos R$ 15 bilhões. O secretário estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, salienta que essa medida está alinhada com os interesses do Governo do Estado, que coloca esse projeto como prioridade, dada a importância estratégica da ferrovia para escoamento da produção de celulose, grãos e minérios do Estado.

BR-163

No caso da CCR MSVia, o problema se repetiu, pois, desde que assumiu o trecho da BR-163 que corta o Estado, não cumpriu com a promessa de duplicar a rodovia e acabou recorrendo à ANTT para que seja relicitada a concessão da via federal. O pedido foi prontamente aceito pela Agência, porém, como é um processo demorado, acabou sendo aprovado que a CCR MSVia permaneça gerenciando os 847 quilômetros da BR até a relicitação do trecho de 379 quilômetros previsto para acontecer até setembro do próximo ano.

A concessionária ficará desobrigada a dar continuidade a duplicação da pista em cerca de 600 quilômetros que faltam e só vai fazer obras básicas de manutenção e conservação. A continuidade da MSVia na administração da rodovia foi assegurada com aprovação, por unanimidade, pela diretoria da autarquia do 3º termo de aditivo do contrato assinado em 2014.

Esse contrato previa investimentos de R$ 5 bilhões no prazo de 30 anos em melhorias da pista e obras que facilitassem o trânsito de veículos, como pistas duplas, passarelas, trevos e melhor sinalização da via. Só que em maio de 2017 a concessionária suspendeu as obras de duplicação alegando que o Governo Federal deixou de cumprir parte das promessas da época da concessão, que era possibilitar o acesso a financiamentos para execução das obras previstas.

Dois anos depois, em dezembro 2019, a CCR MSVia aderiu ao processo de relicitação da BR-163, no qual prevê a devolução da rodovia de forma amigável, com a União assumindo o compromisso de ressarcir a empresa pelos investimentos realizados, valor que deve chegar a R$ 1,4 bilhão, e a concessionária cuidando da estrada enquanto cobra o pedágio. Desde a concessão, foram arrecadados cerca de R$ 2 bilhões com a tarifa de pedágio.

Como houve atraso na relicitação, a CCR MSVia e a ANTT assinaram, em 2021, um termo aditivo para que ela continuasse gerenciando a BR-163, com duração de dois anos. Esse acordo venceu em março deste ano e, por isso, foi aprovado o 3º termo de aditivo do contrato, que prorroga a concessão para a CCR MSVia por até dois anos, ou seja, até março de 2025, ou até a relicitação da rodovia, o que acontecer primeiro.

Saneamento básico

Já a situação da Águas Guariroba, que explora o serviço de água e esgoto no município de Campo Grande, é um pouco menos complexa, afinal, a concessionária até atende a população, porém, cobra uma das tarifas mais caras do Brasil e é responsável direto por “destruir” boa parte do asfalto da Capital, fazendo uns remendos que, de tão mal feito, ficam pior que o buraco aberto pelos seus funcionários e terceirizados.

O Sindágua-MS (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto de Mato Grosso do Sul) chegou a denunciar que a empresa tem lucros bilionários por cobrar a tarifa mais cara entre as 27 capitais brasileiras. De acordo com o presidente Lázaro de Godoy Neto, em seis anos, a Águas Guariroba já lucrou R$ 1,17 bilhão, o que representa algo em torno de R$ 195 milhões por ano.

Conforme ele, a empresa paga salários astronômicos aos executivos às custas do sacrifício de seus empregados, da redução de despesas, de crimes ambientais e tarifas exorbitantes. Ele recorda que os serviços públicos de saneamento da Capital foram privatizados no ano de 2001 e o processo licitatório teve como vencedor o consórcio encabeçado pela empresa Águas de Barcelona – AGBAR. A empresa venceu o processo com compromissos estabelecidos em contrato de ampliar a cobertura de esgotamento sanitário.

A Águas Guariroba também teria de fazer melhorias nos sistemas de abastecimento de água e investimentos na recuperação e preservação das bacias dos córregos Lajeado e Guariroba, que na época respondiam por 20% e 60% do abastecimento da Capital. “Em poucos anos, ficou claro que o interesse dos europeus aqui no solo sul-mato-grossense não era de trazer para o Estado a tecnologia, tampouco a qualidade dos serviços públicos europeus”, ressaltou Lázaro de Godoy.

Os lucros da empresa Águas Guariroba vêm em crescimento vertiginoso nos últimos seis anos, na mesma proporção em que são reajustadas as suas. “Entre reajustes e revisões tarifárias no período de 2017 a 2022, temos acumulado 46,25%”, revelou.

Além dos reajustes tarifários, foi concedida uma benesse denominada tarifa fixa, em que a tarifa residencial é cobrada de cada unidade habitacional o valor extra de R$ 15,98, no comércio R$ 22,83, na indústria R$ 35,88 e para o Poder Público R$ 76,16. “Somente essa tarifa fixa equivale a um extra de 10% do faturamento mensal da Águas Guariroba”, detalhou o presidente do Sindágua-MS.

Para Lázaro de Godoy, trata-se de um negócio com alta lucratividade esse dos serviços de saneamento em Campo Grande. “Enquanto o INPC nesse período foi de 32,13% a empresa ganhou 46,25% de reajuste mais a tarifa fixa e, como isso a população de Campo Grande paga por 20 m³ de água mais esgoto o total de R$ 252,05, em São Paulo (SP) se paga R$ 168,04, em Salvador (BA) se paga R$ 240,64, em Brasília (DF) se paga R$ 191,03,a Sanesul cobra R$ 181,85 e Porto Alegre (RS) cobra R$ 105,40”, exemplificou.

De acordo com o presidente do Sindágua-MS, basta ver que hoje o manancial do Guariroba responde por apenas 38% do abastecimento, Lajeado por 16% e o restante por 105% dos poços tubulares profundos. “Transformaram Campo Grande em um paliteiro de poços ao invés de investir nos mananciais superficiais. Tudo isso atrelado ainda a falta de compromisso ambiental com o desligamento de estações de bombeamento de esgotos, para reduzir custos com energia, e esses efluentes lançados em nossos córregos urbanos. Fato notório em nossa Capital e amplamente denunciado por vereadores, pela população e pelo MPE (Ministério Público Estadual)”, pontuou.

Enfim, essas três empresas representam as privatizações que não deram certo e, por isso, as agências que fiscalizam precisam mostrar trabalho e cobrar qualidade no serviço oferecido à população, que, além de pagar um dos impostos mais caros do mundo, ainda é obrigada a pagar pedágios e tarifas exorbitantes. No caso das relicitações, o Governo Federal tem de acompanhar de perto para verificar se as novas vencedoras farão os investimentos prometidos para que a qualidade do serviço realmente chegue até os usuários.

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