Amazônia precisa de industrialização sustentável para além do extrativismo verde, afirma cientista brasileiro

Carlos Nobre defende o uso de ciência e tecnologia para agregar valor à biodiversidade da Amazônia, alertando que o extrativismo de baixo valor mantém a região vulnerável e economicamente dependente.

Apesar do avanço de propostas voltadas à conservação da Amazônia, muitas soluções ainda se limitam ao extrativismo de matéria-prima com baixo valor agregado. É o que afirma o climatologista Carlos Nobre, que alerta para os riscos de uma “comoditização verde” da floresta.

“O que vemos hoje é uma substituição de commodities como gado e soja por outras, como açaí e castanha. Ainda que nativas, elas mantêm a mesma lógica predatória”, afirma o cientista. Segundo ele, essa abordagem não rompe com o modelo econômico excludente, apenas o pinta de verde.

Além disso, Nobre destaca os riscos ecológicos dessa lógica extrativista. “Mesmo monoculturas de espécies amazônicas sofrem com perda de produtividade causada pela redução de polinizadores, consequência direta do desmatamento”, explica.

Dependência de atravessadores e baixa tecnologia

Outro problema apontado por Nobre é a falta de estrutura tecnológica nos municípios amazônicos. “Cerca de 90% deles não possuem infraestrutura para processar os produtos da biodiversidade”, afirma. Com isso, os extrativistas locais acabam dependentes de atravessadores para escoar sua produção.

Segundo o cientista, isso impede a construção de uma economia local sólida. “Sem acesso a tecnologias e organização social forte, comunidades continuam reféns do mercado informal e de baixa remuneração”, diz. Para ele, valorizar a biodiversidade não pode ser sinônimo de explorá-la como matéria-prima barata.

A saída, segundo Nobre, está no investimento em ciência e tecnologia aplicadas à bioeconomia. “É preciso romper com o pensamento baseado em commodities e implementar soluções baseadas em inovação. A floresta tem muito mais a oferecer do que frutos e sementes.”

Potencial para bioindustrialização local

Nobre apresenta três caminhos concretos para agregar valor à biodiversidade amazônica por meio da industrialização sustentável. O primeiro é a produção de proteína em pó a partir da castanha-do-pará (também chamada de castanha-da-Amazônia). Rica em proteínas, a castanha pode dar origem a suplementos alimentares comparáveis ao whey protein, mas de origem vegetal.

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Outro exemplo é o uso da borracha natural extraída da seringueira para fabricar capas protetoras de dispositivos eletrônicos. Segundo Nobre, a borracha amazônica possui propriedades superiores às sintéticas, com mais elasticidade, melhor aderência e biodegradabilidade — atributos ideais para produtos de alto desempenho e sustentabilidade.

Por fim, o cientista destaca o potencial dos microrganismos presentes nos solos amazônicos. “Eles podem ser utilizados para restaurar áreas degradadas e aumentar a produtividade agrícola”, explica. Essa biotecnologia, se desenvolvida localmente, pode gerar soluções ambientais e econômicas de alto valor.

Caminho para uma nova economia na floresta

Para Carlos Nobre, investir na bioindustrialização é também um caminho para construir uma sociedade de classe média na Amazônia. “Esse progresso só será possível com o fim do desmatamento e com o uso sustentável da biodiversidade”, conclui. A Amazônia, ele reforça, não pode mais ser vista apenas como celeiro de matérias-primas, mas como polo de conhecimento e inovação.

O rumo de uma nova economia na Amazônia passa pelo respeito às culturas e povos da região. Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Nobre também defende que políticas de bioindustrialização levem em conta essas práticas e garantam participação ativa das populações e comunidades tradicionais no desenvolvimento tecnológico e na repartição dos benefícios. “Sem justiça social e respeito à cultura local, qualquer modelo econômico está fadado ao fracasso”, conclui.

Referências da notícia

Uol Ecoa. Amazônia pede industrialização sustentável, não só extrativismo verde. 2025

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