Brasileiros encontram brecha e estão se vacinando na Guiana Francesa

Estima-se que mais de 300 pessoas na fronteira aproveitaram uma falha de comunicação para buscar imunizante no país vizinho
Foto: Arquivo pessoal

Na noite do último sábado (20), Ana Paula Silva, de 33 anos, recebeu uma ligação de uma amiga de Saint-Georges de l’Oyapock, na Guiana Francesa. A chamada era sobre a abertura da vacinação geral contra a Covid-19 para a população local, situação que fez ela não ter dúvidas em deixar Oiapoque (AP), no lado brasileiro, rumo ao país vizinho.

Mesmo ciente de que estava fechada a fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, ela decidiu arriscar e agendou para a madrugada do dia seguinte o transporte marítimo para cruzar o rio Oiapoque, que delimita os dois municípios, com outros cinco familiares em busca da imunização da Pfizer, uma situação que se tornou comum nos últimos dias na região.

“Foi todo mundo da minha casa. Meu marido, minha mãe, meu pai, minha sogra e meu cunhado. Foi uma situação arriscada porque a gente sabia que a fronteira estava fechada e que a gente poderia até ser presa. Mas pela vacina vale muito a pena. Ainda temos de tomar todos os cuidados, mas o alívio por essa segurança vale qualquer preço”, explicou Ana Paula que terá de voltar ao país vizinho no dia 18 para tomar a segunda dose do imunizante.

O custo citado pela aventura não foi tão barato. Além do risco de ser pega pela polícia francesa, Ana Paula desembolsou R$ 240 pelo aluguel da catraia, uma espécie de canoa motorizada. Normalmente o valor da viagem entre as duas cidades é de R$ 5 ida e volta. Porém, com a pandemia e também o fechamento da fronteira, o deslocamento, que não dura cinco minutos, passou por um reajuste considerável.

Situação semelhante viveu Marcelo dos Reis de Oliveira, de 35 anos. Ao tomar conhecimento de que várias pessoas de Oiapoque fizeram o trajeto no domingo, ele reuniu 11 familiares (esposa, sogros, mãe, dois irmãos, quatro cunhados e uma prima) e agendou uma catraia para ir a Saint-Georges de l’Oyapock às 5h30 na segunda-feira. Apesar de ter pagado menos que Ana Paula, Marcelo reclamou dos valores.

“Eu paguei R$ 10 por pessoa, então ficou R$ 120 no total. E ainda foi caro porque normalmente custa R$ 5 a viagem. Mas como estamos na pandemia e tem o fechamento da fronteira, o preço ficou mais caro. Mas valeu a pena. Mostrei minha identidade, cadastrei e antes das 9h eu já estava em casa”.

A ida de brasileiros para o Oiapoque fez com que o governo francês reforçasse a segurança em sua fronteira, com o pedido para que os hospitais passassem a rejeitar a vacinar pessoas que não moram no país. Apesar da proximidade entre as duas cidades e de um acordo de cooperação desde 1996, nenhuma decisão foi tomada no combate contra a Covid-19.

“Nós nos reunimos mensalmente com o governo francês, mas não temos nenhum acordo sobre vacinação. O que aconteceu foi um erro de comunicação porque não houve nenhum comunicado da França para vacinar as pessoas de Oiapoque. O que acontece é que tem vários brasileiros que moram em Saint-Georges que estão aptos a receber a vacina pela Guiana. Mas saiu uma fake news e vários viram uma brecha para vacinar”, explicou Dorinaldo Malafaia, superintendente de Vigilância em Saúde do governo amapaense.

Estima-se que mais de 300 pessoas aproveitaram essa falha de comunicação para buscar a vacina na Guiana. “Todo mundo quer a vacina, não tem jeito. Quando eu fui vacinar, vi ex-prefeito, empresário, pobre, trabalhador comum, todo mundo. A vacina é uma questão de sobrevivência mesmo”, explicou Marcelo.

Na semana passada, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) enviou um ofício ao governo francês para que a população de Oiapoque fosse incluída no plano de imunização da Guiana Francesa. Porém nenhuma medida foi acatada pelo país em relação a um trabalho conjunto com o lado brasileiro.

Em entrevista ao portal France Guyane, o vice-diretor geral da Agência Regional de Saúde, da Guiana Francesa, reforçou sobre o bloqueio da fronteira, demonstrou preocupação sobre a variante brasileira e afirmou que brasileiros que cruzarem o país de forma ilegal em busca da vacina poderão ser punidos.

Sem previsão de parceria, Oiapoque recebeu pouco mais de 1.200 doses que foram aplicadas em pessoas acima de 65 anos. Devido às variantes do vírus, a secretaria de saúde ligou o sinal de alerta para a cidade que se aproxima de 5 mil casos e 30 óbitos por causa da covid-19. Já no lado francês, a situação está mais controlada, com apenas um novo infectado nos últimos dez dias.

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