Calma que o Brasil é nosso

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Pensar não dói. Mas pede esforço, treino. Como diria o Pacheco, o raciocínio é uma operação mental. Mas o sujeito aparece na televisão e, com a maior cara de pau, diz o que lhe vem à cabeça. Aliás, não vem; encontra porta fechada e vai-se embora. Cedinho, o cara sai de casa, leva consigo a pose e acha que está com o enxoval completo. Pode dar entrevista e massacrar os que ousem discordar.

Qualquer tema serve. Basta estar pautado, garantia de que sai no jornal. E borbota em close no vídeo. Parlamentarismo? Por exemplo. No que vier, ele atira o bombardeio de suas ideias feitas. Sempre viveu bem assim, confortável, deitado no berço esplêndido do lugar-comum. Jamais deixou de comprar feito e embrulhado. Para o presente ou para o passado. Para as ocasiões. Ah, sim: parlamentarismo. Que é que dita o interesse? Ou que é seu mestre mandou?

Postura de pigarro, lá vem chumbo grosso: não estamos preparados para o parlamentarismo. Não temos partidos nacionais de verdade. Nem uma sólida estrutura administrativa profissional. Seria o caos. Pausa. Nem a tosse é original. Vem do fundo de priscas eras.

O olhar tenta em vão pescar um brilho de inteligência. Aquela esquiva luz do raciocínio. Mas “de nihilo, nihil”, dizia o Pérsio. Não o Arida, mas o romano do 1º século (ano do Senhor). Do nada, o nada. Só que aqui o nada fala. Solene, para a câmera. A câmera, coitada, é toda atenção na gravata.

Nenhum vislumbre de formulação pessoal. Nenhuma tentativa de alcançar a quota zero. Daí pra baixo, nada precisa ser dito. É a morada do óbvio ululante. Tipo o sol brilha. Ou a noite é escura. Mas o impávido entrevistado nada receia. O dom da palavra é nele um enfeite. Se não falar, corre o risco de ser estabulado. O conteúdo é outro departamento. Aqui estamos no reino do papagaio. Come o milho e leva a fama. Leva, não; ganha.

Onde está o parlamentarismo, leia-se qualquer outro item. A democracia? Ainda não estamos preparados. Ensino e saúde para todos. É cedo. Temos de nos preparar. Previdência Social: nanja! O povo não sabe votar. Ainda. Voto não enche barriga. O voto da lavadeira não pode ser igual ao do general. Quem o disse foi o general, claro. Corrupção, desnutrição, crime organizado. A solução virá a seu tempo. Calma, gente. Ainda não estamos preparados.

*Publicado em 4 de julho de 1991

Fonte – Blog do Zé Beto

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