Engenheira hospeda de graça pacientes que esperam por cirurgia em Porto Alegre

A advogada Carmen de Fátima Vargas Gonçalves, de 61 anos, descobriu um câncer de língua no começo da pandemia de coronavírus. Era abril de 2020 e o Brasil adotava medidas de distanciamento social, o bloqueio de atividades não essenciais. Com o diagnóstico precoce, a moradora de Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, rapidamente foi encaminhada a Porto Alegre para tratar a doença. No entanto, naquele momento, não havia hotéis abertos na cidade para que Carmen e seus acompanhantes pudessem se hospedar e aguardar a cirurgia, um procedimento de alta complexidade e sete horas de duração.

Foi por intermédio de colegas que ela conheceu Isabel Mânica Ruas. Dona de um apartamento anexado à cobertura em que vive com o marido, a engenheira agrícola, de 54 anos, foi quem abriu as portas para a bageense. Desde 2017, Isabel tem o costume de ceder o imóvel, gratuitamente, a famílias de crianças que precisam de transplantes de órgãos na capital gaúcha. Ao saber da situação de Carmen, por meio das vizinhas, não foi diferente. Por coincidência, a acomodação estava desocupada na época.

Composta por quarto, sala, cozinha e banheiro, a kitnet de cerca de 30 metros quadrados, localizada no Centro Histórico da cidade, já acomodou mais de 100 hóspedes, entre pais, mães e crianças. Carinhosamente apelidado como “Espaço de Deus”, o local foi reformado por Isabel quando ela teve a ideia de começar a receber pessoas que vinham de outros municípios e estados para se tratar no hospital Santa Casa de Misericórdia, situado em frente ao edifício em que mora.

“O lugar é maravilhoso, aconchegante. Ela arrumou tudo para me esperar. Meu marido e a cuidadora se hospedaram lá enquanto eu estava sendo operada. Na cirurgia, tiraram 40% da minha língua. Ao todo, precisamos ficar 11 dias”, conta. “É realmente um espaço de Deus, e a Isabel foi um anjo na minha vida”, afirma Carmen.

A iniciativa surgiu depois de algumas visitas de fim de semana que Isabel fazia ao Hospital da Criança Santo Antônio, junto a amigos da igreja que frequenta. A unidade de saúde é especializada em atendimento pediátrico.

“Víamos todos aqueles pais que ficavam na porta do hospital esperando leitos. Muitas vezes na busca por um lugar para ficar, muitos deles sem condições”, recorda. “Comecei fornecendo roupas, calçados e fazendo campanhas de doação de sangue. Aos poucos, foi crescendo. Nem chegava a sair uma família e já haviam outras esperando para entrar”, relata.

“Formamos um grupo de mães muito bom. Elas têm grupos de mensagens e conversam todos os dias. Sabem quem está chegando de fora, quem precisa mais e repassam para mim. Já tive famílias de vários municípios aqui do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Espírito Santo, de Goiás, do Tocantins, do Pará”, lembra.

Diana da Silva Ferreira, de 35 anos, é uma dessas mães. Natural de Santarém, no Pará, ela viajou mais de três mil quilômetros até Porto Alegre, em dezembro do ano passado, por conta do filho. Caio, de nove meses, nasceu com complicações no fígado e precisava de um transplante do órgão.

Tanto Diana como o marido estão desempregados e pagar R$ 90,00 em diárias de hotel não seria tarefa fácil. Com o bebê à espera de uma cirurgia, ficar em albergues também não era uma opção, por conta da baixa imunidade da criança e do risco de infecções. Sem conhecer ninguém na cidade, Diana soube de Isabel pelo grupo de mães. Na Santa Casa, a engenheira já é conhecida e indicada pela própria equipe médica da unidade.

“Os médicos me diziam: ‘Não tem com o que se preocupar. Com a Isabel, você estará em boas mãos. Lá, é o melhor lugar para vocês estarem depois do hospital.’ As referências que nós temos dela são maravilhosas. Eu admiro muito o trabalho que ela faz. Quando meu marido chegou, na noite do Natal, até no aeroporto ela foi buscá-lo”, diz.

Desde janeiro, a família se divide entre o hospital e o apartamento. Em 9 de fevereiro, Caio conseguiu um doador e agora se recupera da operação em segurança. No entanto, por causa do acompanhamento, eles ainda não têm data para ir embora.

“A Isabel entrou em contato comigo e foi até o hotel em que eu estava. Ela se prontificou e me disse que se eu não tivesse condições de pagar mais diárias, ela me levaria para dentro da casa dela, porque o apartamento estava ocupado naquele momento. Na minha região (Santarém, no Pará) o custo de vida é um pouco mais barato, mas aqui é caro. Sem ela, com certeza passaríamos necessidade”, pondera.

Ao todo, aproximadamente 10 pessoas ajudam a engenheira no acolhimento às famílias. Além de acomodação, Isabel também concede apoio odontológico aos hóspedes, que acabam se tornando amigos. O único gasto que as famílias precisam arcar é com alimentação. Hoje, distante da profissão, ela se dedica a projetos de solidariedade e à igreja, além de ter planos de expandir a hospedagem gratuita a fim de conseguir abrigar mais pessoas.

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