Na véspera de encontro ambiental, clima para o país nunca foi tão ruim

Registro de queimadas no Amapá feito em outubro de 2020. Foto: Nelson Almeida / AFP) (via Getty Images)

Alexandre Saraiva, então chefe da Polícia Federal do Amazonas, era “o alvo a ser abatido” em uma troca de mensagens entre madeireiros interceptada em setembro de 2019.

No dia 14 de abril, o delegado foi enfim alvejado, como queriam os investigados. A decisão coube ao novo diretor-geral da PF, Paulo Maiurno.

No mesmo dia, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mudou as regras para aplicação de multas ambientais e determinou que eventuais sanções só sejam autorizadas após análise de um supervisor. Para os fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), isso equivale a instituir a figura de um censor nas ações de combate ao desmatamento.

As mudanças em um posto-chave na Amazônia e das regras do combate ao desmatamento acontecem quase um ano após a famigerada reunião de 22 de abril entre Jair Bolsonaro e seus ministros, quando o presidente declarou que ia interferir na PF e ponto final. Foi o estopim para a saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. O resto é história.

Na mesma reunião, Salles defendeu que era preciso aproveitar as atenções da imprensa nas questões relacionadas à pandemia do coronavírus para passar a boiada nos marcos regulatórios fundamentais para a preservação do meio ambiente.

Onze meses depois, tanto descaso fez com que os alertas de desmatamento na Amazônia em março de 2021 fossem os maiores já registrados desde o começo da série histórica, de acordo com dados do Inpe, o Instituto de Pesquisas Espaciais. Foram 367 km² de mata devastada, contra 327 km² do ano passado.

Em entrevista recente ao G1, a gestora ambiental do Greenpeace, Cristiane Mazzetti, acusou Salles de trabalhar contra o meio ambiente enquanto o Congresso atua para legalizar grilagem, flexibilizar o licenciamento ambiental e abrir terras indígenas para mineração. É a receita perfeita para o desastre ambiental.

Salles, que após defender a boiada naquela reunião saiu em defesa também da figura do boi bombeiro, espécie de personagem do folclore bolsonarista responsável por comer capim seco e conter as queimadas em áreas como o Pantanal, que queimaram como nunca, hoje é alvo de uma dura manifestação assinada por 400 servidores do Ibama. Eles acusam o ministro de inviabilizar as ações de combate ao desmatamento na Amazônia.

“Os meios necessários para o estrito cumprimento do nosso trabalho não estão disponíveis e todo o processo de fiscalização e apuração de infrações ambientais encontra-se paralisado”, queixaram-se em nota distribuída para a imprensa.

A manifestação chega ao público após a aprovação do menor orçamento para combate ao desmatamento em 21 anos.

Dias atrás, em entrevista à Folha de S.Paulo, o delegado Saraiva, aquele que os madeireiros queriam abater, criticou a atuação do ministro do Meio Ambiente em favor de empresários do ramo. Alguns deles eram investigados em uma operação da PF responsável pela maior apreensão de madeira da história. O delegado disse que nunca tinha visto um ministro ser contra uma ação cujo objetivo era a preservação da floresta. Ele acusa Salles de atuar em favor dos supostos criminosos. Caiu pouco depois.

Digam o que disserem na Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada por Joe Biden e marcada para a quinta-feira 22, as autoridades brasileiras não conseguirão se livrar da bagagem (aqui alegórica) queimada e repleta de más notícias para o encontro virtual. Sem trocadilhos, o clima para Jair Bolsonaro e seu fiel e obediente ministro não poderia ser pior.

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