Empreendedores se reinventam na pandemia e driblam a crise

Em um ano tão castigado por perdas econômicas provocadas pela pandemia de covid-19, seria natural não esperar qualquer balanço positivo de 2020. Mas contrariando todas as expectativas, houve quem enxergasse oportunidade na crise com determinação e criatividade. Pessoas que vislumbraram um novo negócio a partir das necessidades pautadas pelo novo normal, ou mesmo quem simplesmente soube ajustar seus serviços aos desafios do momento. Trata-se, segundo os especialistas, do genuíno espírito empreendedor.

Os números confirmam o fenômeno. Pesquisa do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) realizada em novembro de 2020 aponta que quatro em cada 10 pequenas empresas brasileiras inovaram durante a crise ao longo do ano. Para 27% dos empresários, os desafios impostos pela pandemia acabaram trazendo mudanças valiosas para o negócio. Nesse período, ainda de acordo com o Sebrae, 11% dos empreendedores registraram aumento de faturamento em relação a 2019.

De acordo com o Mapa de Empresas do Portal do Empreendedor, em 2020 foram inscritos no programa cerca de 2,6 milhões de microempreendedores individuais (MEIs). Em 2019, foram aproximadamente 1,6 milhão. Considerando as baixas e exclusões, houve um total de mais de 1,8 milhão de inscritos em 2020, alcançando a marca de mais de 11,3 milhões de microempreendedores individuais formalizados no país, ou 56,7% de todos os negócios ativos no país.

“Ouvimos histórias de sucesso todos os dias. São pessoas que souberam entender as mudanças do mercado e tiveram uma sacada”, diz Wilson Poit, superintendente do Sebrae-SP. “Para manter o negócio em alta, no entanto, é necessário manter-se sempre atualizado, de olho na concorrência e em busca do diferencial.” Poit lembra que o Sebrae oferece orientação gratuita para novos empreendedores.

Entre as histórias de sucesso, está a de Rachel Leão. Produtora de eventos bem-sucedida, viu o negócio ruir no início da pandemia. Com tempo, ideias de sobra e paixão por plantas, passou a oferecer, no prédio em que morava, em São Paulo, uma consultoria paisagística online. Por meio de videochamadas, Rachel fazia uma análise do apartamento, considerando a luminosidade e até a rotina do morador, para sugerir as espécies mais indicadas e até o espaço onde deveriam ser colocadas.

O retorno foi tão positivo que em pouco tempo Rachel montou a Miscelânia Plantas e Ideias. Começou a fazer visitas técnicas pessoalmente, comprar vasos e plantas, mandar entregar e depois coordenar a decoração do espaço.

Com sua vitrine no Instagram, Rachel se mudou para Florianópolis (SC), onde mantém as visitas presenciais, e continua fazendo consultorias online em outras cidades brasileiras. “A crise do ano passado foi um respiro para que eu pudesse resgatar meus sonhos. Hoje estou muito mais realizada”, conta a agora personal shopper de plantas.

Quem também canalizou sua força de trabalho para uma paixão foi a advogada Taisa Nunes. No início da pandemia, ela já administrava, havia alguns anos, um salão de beleza em Santos (SP). “Além de ter que fechar o salão, estava atravessando uma crise pessoal muito grande, pois havia acabado de perder meu pai”, conta. Foi na pintura que Taisa se reergueu.

“Começou de maneira despretensiosa. Pintei um filtro de barro da minha tia e postei nas redes sociais. Milhares de pessoas curtiram e começaram a me pedir para fazer”, lembra. “De setembro para cá, passei a comprar os filtros, pintar e fazer entregas em todo o Brasil. Não parei mais. Hoje, é minha única renda.” Para dar conta dos pedidos no Instagram, Taisa contratou uma funcionária em janeiro.

De olho em inovações

Para os novos donos de seu próprio negócio, o principal alerta dos especialistas é sempre buscar inovações. “O pequeno empreendedor precisa saber que pode usar seu conhecimento em outros nichos”, diz Marcus Salusse, professor e pesquisador do Centro de Empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Fazer pequenos experimentos pode ser um caminho para criar novas oportunidades. Caso contrário, esse empreendedor só vai oferecer mais do mesmo e não vai se manter por muito tempo.”

Salusse também recomenda o uso de tecnologias gratuitas existentes para melhorar a experiência do cliente. “Por exemplo, adotar o calendário do Google para que o próprio cliente agende seu horário. É uma ferramenta gratuita e que facilita o processo para os dois lados.”

Barbeiro em domicílio

Foi utilizando a tecnologia que o barbeiro Matheus Ernica, de São Paulo, viu seu negócio prosperar. No início da pandemia, com o salão em que trabalhava fechado, ele resolveu mandar mensagens por aplicativo a uma cartela de 150 clientes oferecendo o atendimento em casa. “Eu nem esperava tanto retorno, mas de cara recebi muitos chamados”, afirma. Nas visitas, além da máscara e álcool gel, ele higieniza todo seu equipamento e faz a limpeza depois do serviço.

Pouco tempo depois, fez um cadastro gratuito no Google, que otimiza a busca por serviços específicos. “Nem sabia como era, procurei um tutorial no YouTube e deu certo. A procura aumentou muito.”

Hoje, com rendimento maior do que no ano passado, Ernica atende clientes num raio de até 10 quilômetros por um preço fixo. Ele acha que, mesmo após a pandemia, manterá essa modalidade de atendimento. “Todos os meus clientes preferem ser atendidos em casa por causa da economia de tempo e do conforto.”

Fotos: Arquivo Pessoal

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