Não se identificar com seu gênero biológico ou não se sentir confortável dentro do próprio corpo. Esses são alguns dos sentimentos vivenciados por pessoas trans, que não correspondem a padrões impostos socialmente. O grupo é o primeiro a representar a identidade de gênero dentro da comunidade LGBTQIA+ e carrega características múltiplas, definidas pelos termos: transgêneros, transexuais e travestis.
Para entender o significado desses termos é preciso compreender a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. Durante muitas décadas, o movimento que hoje é reconhecido pela sigla LGBTQIA+ foi ligado apenas a questões de sexualidade, que se trata da atração que o individuo sente por outro.
Apenas nos anos 90 que o debate sobre identidade de gênero ganhou força e levou tanto entidades internacionais como comunidades do movimento a discutirem o assunto. Foi nesse período que o “t” foi incluído na sigla da entidade que, naquele momento, era apenas LGB (lésbicas, gays e bissexuais).
“Identidade de gênero é sobre ser. É o gênero que a pessoa se identifica, como o nome já diz. Dentro da questão de gênero”, explica Yara Canta, artista e coordenadora geral da Associação de Travestis e Mulheres Transexuais do Ceará (Atrac). De acordo com a representante, há duas divisões gerais dentro da questões de identidade: pessoas cisgêneros e transgêneros.
“Pessoas ‘cis’ são pessoas que se identificam com o gênero imposto ao nascimento. Por exemplo, uma pessoa que nasceu com o gênero socialmente dito como masculino e se sente pertencente a este gênero, é um homem cis. O termo ‘cis’ é amplamente usado para evitarmos usar termos biologizantes e que acabam sendo transfóbicos como ‘mulher de verdade’ ou ‘mulher biológica’, pois as pessoas trans também são pessoas de verdade e ‘biológicas'”, esclarece Yara.
Já pessoas trans são aquelas que não se identificam com o gênero biológico. A artista cita como exemplo alguém que nasceu com o gênero masculino mas não sente que pertence a esse gênero. Do contrário também é valido: alguém que nasceu com o gênero feminino e não está em conformidade com ele.
Transgêneros
A terminologia é utilizada como uma espécie de termo “guarda chuva”, para representar toda a diversidade trans. O grupo é composto por: travestis, mulheres trans, homens trans, transmasculine (que passam por transição), não binárias (que não têm identidade definida) e diversos outros.
“É preciso entender que pessoas trans também tem suas orientações sexuais, ou seja, uma mulher trans, ou uma travesti, pode ser heterossexual, bissexual, lésbica ou pansexual. Um homem trans, ou transmasculine, pode ser heterossexual, bissexual, gay ou pansexual”, alerta a coordenadora.
Travestis e transexuais
Os dois termos estão dentro da terminologia transgênero, e por isso representam pessoas que não estão em conformidade com seu gênero de nascimento. Contudo, os debates iniciais sobre o assunto costumavam fazer uma diferenciação de ambos os indivíduos por questões genitálias e cirúrgicas.
Ou seja, a travesti era aquela pessoa que nasceu socialmente do gênero masculino e se reconhecia como mulher, mantendo os órgãos genitais. Já o individuo transexual era aquele que passava por uma cirurgia ou por tratamento hormonal para pertencer ao gênero no qual se reconhece. Pensamento que atualmente é visto como ultrapassado por representantes da comunidade.
“Essa é uma questão que não nos leva para a frente. Socialmente falando, não há como distinguir pois é uma identificação individual. Outro ponto que me incomoda, é que o termo mulher transexual muitas vezes é usado como uma forma de higienizar e talvez até apagar toda a história que a identidade travesti carrega. Precisamos parar de marginalizar essa identidade que foi e é extremamente importante para a história do movimento LGBTI+”, explica e defende Yara.
Importância do debate
Para além de entender o significado dos termos, é necessário compreender a importância de promover debates a respeito deles. Isso porque travestis e pessoas transexuais lutam há pelo menos quatro décadas por direitos simples, como o de serem reconhecidos pelos gêneros no qual se sentem pertencentes. O preconceito, no entanto, tem sido uma arma letal contra essa luta.
O Brasil, por exemplo, foi classificado como o país que mais matou e cometeu violências contra pessoas trans no mundo durante 2019, segundo dados levantados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Já durante 2020, o número de assassinatos contra esses grupos teve aumento de 29% no País. Foram 175 assassinatos, média de um realizado a cada 48 horas.
“É necessário que todas as pessoas trans possam estar inseridas no mercado de trabalho e para isso acontecer nós precisamos conseguir minimamente finalizar nossos estudos, pois uma grande parte das pessoas trans não conseguem concluir nem o ensino fundamental ou médio devido a transfobia”, defende Yara.
“Muitas de nós são expulsas de suas casas muito cedo por conta da transfobia dos seus familiares. Então, ainda temos muito o que lutar e precisamos não apenas sermos ouvidas, mas também precisamos ter as nossas necessidades atendidas, pois estamos falando de questões que são básicas, que é o direito à cidadania”, destaca por último a representante.