É preciso vacinar muito e vacinar rápido

Molina/Zimel Press/Agência O Globo/

Poucos de nós, mesmo os mais experientes com surtos e epidemias, teríamos sido capazes de predizer o status quo no qual estaríamos um ano após o aparecimento dos primeiros casos da Covid-19 no Brasil. Vaticinar com racionalidade de que o impacto seria o de tragédia sanitária e humanitária foi, além de um oximoro sutil, possível após a triste constatação da política em contraponto à ciência.

Reconhecida como a solução possível e quase única a vacinação em massa e em curto tempo para conter a pandemia, há que se registrar alguns fatos: impensável seria imaginar que em menos de um ano teríamos no planeta quase 200 grupos diferentes estudando plataformas de vacinas, quase duas dezenas em fases clínicas de experimentação, mais de dez aprovadas por agências regulatórias para aplicação. Por outro lado, que esse tempo resultasse uma vez mais na tão crua desigualdade do mundo, quando dez países já adquiriram 75% de toda a produção de vacinas, e ainda, se somarmos toda a capacidade estimada para os diferentes produtores no corrente ano, sabidamente em pouco mais de três bilhões de doses, capazes portanto de cobrir menos um terço da humanidade. Que há países que já asseguraram uma proporção de várias doses para cada habitante e outros, como o Brasil, que, ao contrário, não podem até o momento, a despeito da produção nacional esperada pelos dois órgãos públicos, Fiocruz e Butantã, responder ao timing necessário para proteger a população: vacinar muito e em pouco tempo. Que como a face boa desse cenário, existe o mecanismo Covax, coordenado pela Organização Mundial da Saúde, que nasceu para mitigar essa prevista falta de equidade. Até o momento foram contemplados alguns, e o Brasil, como seu signatário, ainda não recebeu um só lote. E já somos 10% de todas as mortes no mundo!

De par com a profunda curva de aprendizado médico havido nesse ano, concluímos que as regras de mercado resultam em óbvia iniquidade de acesso, e a falta de um regramento claro dificulta o acesso equitativo, conferindo ao problema não apenas um imenso desafio sanitário, mas ético e moral, a exigir competente coordenação global e solidariedade internacional.

Há muito se sabe que vírus muta o tempo todo, em velocidades e proporções propiciadas pelo ambiente, isto é, diretamente ligado à taxa de transmissão circulante. Criamos por aqui todas as situações propiciadoras para que as novas variantes não só aparecessem como se transformassem rapidamente em responsáveis pela maioria dos casos no país. Até o momento são reconhecidas pelas análises genômicas em desenvolvimento no Brasil quase duas dezenas de linhagens diferentes, das quais as mais frequentes são as B.1.128, B.1.1.33, P1 e P2, conforme os estudos nacionais.

A cada dia uma pergunta sem resposta, em meio ao desafio de uma doença nova e complexa em seu polimorfismo, e a “pergunta de um milhão de dólares” do momento é se as vacinas ora em uso protegerão contra as variantes virais em plena ascensão. A vigilância genômica iniciada necessita de apoio e financiamento adequados, para que rapidamente respondam. Um bom mea culpa ajudaria também, pessoal e coletivamente.

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