Criticado por recusar-se a aplicar seu bem-sucedido programa de imunização contra a Covid-19 em palestinos, o governo israelense trafega por nova rota tortuosa — a troca de prisioneiros por vacinas. Esta nova moeda diplomática teria sido consentida num acordo secreto de US$ 1,2 milhão entre Israel e Rússia para financiar milhares de doses da Sputnik V à Síria, de acordo com relatos da mídia.
A negociação envolveu a repatriação de uma israelense de 26 anos que entrou ilegalmente em território sírio, em troca de dois pastores que estavam detidos em Israel. Tudo certo, se não vazasse para a imprensa estrangeira uma cláusula secreta — a compra de vacinas da Rússia, que seriam entregues ao regime sírio, com quem Israel não tem relações diplomáticas.
A divulgação do acordo não interessava nenhuma das partes envolvidas: a Netanyahu porque seria confrontado internamente por gastar recursos para vacinar cidadãos de um país inimigo; à Síria porque teria a imagem de Israel associada a de um benfeitor humanitário; e à Rússia porque ainda não imunizou boa parte de sua população.
A um mês de enfrentar a quarta eleição em dois anos, a situação de Netanyahu se complica, embora ele tenha assegurado que “nenhuma vacina israelense esteja envolvida no negócio”. O acordo não deixa claro como seria a distribuição de vacinas pelo regime de Bashar al-Assad aos sírios.
Réu em três processos na Justiça, o premiê precisa se manter no cargo para sobreviver politicamente. Ele vinha surfando na onda da vacinação em massa de cerca de metade de sua população, o que permitiu a reabertura gradual de parte da economia, após três grandes bloqueios.
Em contrapartida ao sucesso e à rapidez de seu programa, Israel reluta em estendê-lo à população palestina da Cisjordânia e de Gaza, limitando-se a vacinar os árabes-israelenses que vivem no país. O governo alega que cabe à Autoridade Palestina a obrigação de vacinar seus habitantes, mas entidades de direitos humanos e a própria ONU discordam do argumento.
O Hamas mantém dois prisioneiros israelenses em Gaza, além de corpos de dois soldados mortos. O acordo com a Síria levanta preocupações sobre o rumo que as negociações tomará para a libertação de presos e devolução de corpos.
“Devemos esperar que um judeu cruze a fronteira com Gaza para que os palestinos sejam vacinados?” questionou pelo Twitter o deputado Ahmad Tibi, que integra a Lista Conjunta de partidos árabes no Parlamento de Israel. O uso de vacinas como instrumento de barganha abre um precedente perigoso para Netanyahu.
G1