Em 1520, Fernão de Magalhães, a serviço da Espanha, fazia sua viagem ao redor do mundo quando aportou na então desconhecida Patagônia. Na área remota da Argentina, o explorador teve um encontro insólito com gigantes, conforme consta no texto abaixo, extraído do “Diário de Navegações de Magalhães”.
“19 de Maio de 1520 – Porto de San Julián – Distanciando-nos destas ilhas para continuar nossa rota ao 49 graus e 30 min de latitude meridional, onde encontramos um porto. E como o inverno se aproximava, julgamos ser aconselhável passar ali aquela má estação.
Um gigante – Transcorreram dois meses sem que víssemos nenhum habitante do país. Um dia, quando menos esperávamos, um homem de figura gigantesca se apresentou ante nós. Estava sobre a areia, quase nu, e cantava e dançava ao mesmo tempo, jogando poeira sobre a cabeça. O Capitão enviou à terra um dos nossos marinheiros, com ordem de fazer os mesmos gestos em sinal de paz e amizade, o que foi muito bem compreendido pelo gigante, que se deixou conduzir a uma pequena ilha, onde o capitão havia descido. Eu me encontrava ali com muitos outros. Deu mostras de grande estranheza ao ver-nos e levantando o dedo queria dizer que acreditava que nós havíamos descido do céu.
Sua figura – Este homem era tão grande que nossas cabeças chegavam apenas até à cintura. De porte formoso, seu rosto era largo e pintado de vermelho, exceto os olhos, que eram rodeados por um círculo amarelo e dois traços em forma de coração nas bochechas. Seus cabelos, escassos, pareciam branqueados por algum pó.
Seu traje – Seu vestido, ou melhor dito, seu manto, era feito de peles muito bem costuradas, de um animal que abunda no país.
Animal estranho – Este animal tem a cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo e cauda de cavalo e relincha como este libido-de.com.
Seus costumes – Usam os cabelos cortados em auréola como os frades, porém mais longos e presos em volta da cabeça por uma corda de algodão, na qual colocam as flechas quando vão caçar. Se faz muito frio, prendem estreitamente contra o corpo suas partes naturais.
Sua religião – Parece que sua religião se limita à adoração do diabo. Julgam que quando um deles está morrendo, aparecem dez ou doze demônios cantando e dançando ao seu redor. O demônio que provoca maior alvoroço e que é o chefe maior dos diabos é Setebos. Os demônios pequenos são chamados Chelele(….)
Nosso capitão chamou a este povo de Patagões (devido ao tamanho de suas patas)”.
Magalhães, nascido em 1480, foi um navegador e explorador português, conhecido por ter liderado a primeira circum-navegação do mundo – ao menos registrada – entre 1519 e 1522.
O “Diário de Navegações de Magalhães” foi escrito por Antonio Pigafetta, um acadêmico veneziano que nasceu em Vincenza, Itália, por volta de 1490 e que acompanhava Magalhães na viagem. Pigafetta manteve um diário detalhado, mas o original se perdeu. No entanto, um relato da viagem, escrito por Pigafetta entre 1522 e 1525, permaneceu em quatro versões escritas a mão que inclui 23 mapas lindamente desenhados.
A obra de Pigafetta é importante não apenas como uma fonte de informação sobre a viagem em si, mas também é uma descrição inicial ocidental do povo e dos idiomas da Filipinas. Dos aproximadamente 240 homens que se juntaram a Magalhães, apenas Pigafetta e mais dezoito retornaram a Espanha. Magalhães foi morto, em 27 de abril de 1521, na batalha da Ilha de Mactan, nas Filipinas.
Convencionalmente, pesquisadores dizem que a história dos “Gigantes da Patagônia” é um mito, e que os verdadeiros habitantes da região eram os tehuelches, que tinham pouco mais de 1,80 m de altura em média. Segundo esses, como a média de altura na Europa era relativamente baixa, em torno de 1,65 m, os viajantes se confundiram, ou aumentaram deliberadamente a estatura dos patagônios.
No entanto, as alegações acima são problemáticas, considerando que o autor da obra era um homem culto e excelente artista, portanto tinha um grande senso de proporções, já que foi desenhista de belos 23 mapas, sendo inviável imaginar que tal homem se confundiria, afirmando que “Este homem era tão grande que nossas cabeças chegavam apenas até à cintura”. Sobre uma alteração proposital nos dados, por que justamente mentiria sobre a Patagônia enquanto em outros lugares do mundo nada como isso foi relatado? A resposta sensata é que realmente havia algo de anormal no extremo sul da Argentina.
Em 1579, o capelão do navio de Francis Drake , Francis Fletcher, escreveu sobre o encontro com patagônios muito altos, de “7 pés e meio” (2,3 m). Na década de 1590, Anthony Knivet afirmou ter visto cadáveres de 3,7 m de comprimento na Patagônia (indício de massacre?). Também na década de 1590, William Adams, um inglês a bordo de um navio holandês que contornava a Terra do Fogo, relatou um encontro violento entre a tripulação de seu navio e nativos de altura descomunal.
Em 1766, ao retornar à Grã-Bretanha, a tripulação do HMS Dolphin, capitaneada pelo comodoro John Byron, tinha visto uma tribo de 9 pés de altura (2,74 m), nativos da Patagônia, quando passaram por lá em sua circum-navegação do globo. No entanto, uma “revisão” dessa viagem foi feita em 1773. Estranhamente, os dados foram modificados e os patagônios foram registrados com 6 pés (1,83 m) de altura. Temos aqui um relato que foi “editado”, esse sim, deliberadamente.
Sendo assim, fica mais prudente concluir que esse é mais um grande enigma da história ainda sem solução. Também é importante questionar se algo que parece um mito “engraçado” em um primeiro momento, não é mesmo o indício de um genocídio ocorrido no início da colonização da América do Sul.
Caciques tehuelches. Altos, mas nem tanto.
Diário de Navegações de Magalhães: https://www.wdl.org/pt/item/3082/