Pós-graduação médica é solução para falta de especialistas no SUS

Estudo mostra impacto da defasagem de vagas na residência médica na falta de especialistas no SUS

O Brasil vive um paradoxo na medicina: enquanto o número de médicos recém-formados cresce significativamente, o acesso à especialização, fundamental para um atendimento de qualidade, permanece um gargalo. A Residência Médica (RM), tradicionalmente vista como o único caminho para a especialização, não consegue absorver a crescente demanda, deixando milhares de profissionais sem o título de especialista e a população com dificuldades para acessar atendimento especializado. 

Diante desse cenário, a pós-graduação médica surge como uma alternativa, mas sua regulamentação e reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda são temas de intenso debate na Justiça Federal. 

Dados do Informe Técnico n ̊ 05 da “Demografia Médica no Brasil 2025”, estudo da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Faculdade de Medicina da USP, apontam para um aumento de 71% no número de estudantes de medicina entre 2018 e 2024, enquanto as vagas de residência cresceram apenas 26%. O estudo mostra que a defasagem entre oferta de graduação e de residência aumentou e que 14 especialidades tiveram redução de vagas. Outro problema é a concentração das vagas no Sudeste, com São Paulo reunindo quase um terço dos médicos residentes. A consequência é um contingente de mais de 210 mil médicos generalistas sem título de especialista reconhecido pelo CFM.

Ao mesmo tempo, há um enorme contingente de médicos com cursos de pós-graduação credenciados pelo Ministério da Educação (MEC) que são impedidos de divulgar seus títulos. “A pós-graduação lato sensu é uma via legítima para a especialização, amparada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que atribui ao MEC a competência para normatizar esses cursos, muitos dos quais oferecidos por universidades públicas, com conteúdo programático e duração semelhantes aos das residências médicas”, comenta Eduardo Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) e professor titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Regras 

O CFM reconhece apenas a residência médica e a prova de títulos como vias para a emissão do Registro de Qualificação de Especialista (RQE). A prova de títulos é restrita a médicos que cursaram especializações reconhecidas pela Associação Médica Brasileira (AMB), ou seja, uma entidade privada define regras que são de responsabilidade da União. “O nosso questionamento à prova de títulos é que ela não forma especialistas, ao contrário dos cursos de pós-graduação. A prova de títulos apenas afere conhecimentos. Mas quem garante a formação desses profissionais?”, indaga o presidente da Abramepo.

A Abramepo reconhece a importância do RQE, mas critica os critérios atuais para sua obtenção. Eduardo Teixeira questiona a prerrogativa do CFM em relação à pós-graduação. “Quem diz quem é médico no Brasil é o MEC, através do diploma de graduação. Na pós-graduação, deveria ser a mesma coisa”, argumenta. 

A LDB já estabelece requisitos mínimos de qualidade para as pós-graduações, como corpo docente qualificado e aprovação por conselhos universitários, mas é possível estabelecer ainda mais parâmetros de qualidade e segurança para impulsionar a formação de especialistas no Brasil. “Em vez de negar o reconhecimento dos cursos de pós-graduação, o CFM deveria atuar junto ao MEC para aprimorar a regulamentação, estabelecendo critérios mais rigorosos de qualidade”, comenta o professor. 

Impacto no SUS

A falta de reconhecimento do título obtido via pós-graduação gera impactos significativos. Médicos qualificados ficam impedidos de anunciar sua especialização e concorrer a cargos públicos ou de pleitear registro em convênios, limitando o acesso da população a especialistas. Além disso, a exigência do RQE em editais de concursos públicos deixa vagas ociosas, prejudicando a oferta de serviços, especialmente no SUS.

Para Teixeira, o reconhecimento da pós-graduação como via de especialização traria benefícios para médicos, governo e pacientes, ampliando o acesso a atendimento especializado, principalmente para a população carente. “A Abramepo defende um diálogo com o CFM e o MEC para construir um modelo regulatório eficaz que garanta a qualidade da pós-graduação e o reconhecimento dos profissionais qualificados, contribuindo para a solução da escassez de especialistas no Brasil. Essa é uma questão urgente de saúde pública”, completa Teixeira.

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