Há mais sintonia entre uma ala do Partido Verde e a bancada ruralista na Câmara dos Deputados do que os ativistas ambientais poderiam imaginar.
Em Rondônia, por exemplo, o Partido Verde acaba de comandar a aprovação de uma lei sonhada por madeireiros e grileiros de terras públicas para reduzir o tamanho de um parque estadual (Guajará-Mirim) e de uma reserva ambiental (Jacy-Paraná).
O corte nos mapas soma 211 mil hectares, área maior do que cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Rondônia já perdeu mais da metade de sua floresta por desmates, nas últimas duas décadas, o que provocou mudanças no regime de chuvas no estado, demonstram os pesquisadores Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, e Jeffrey Q. Chambers, da Universidade da Califórnia.
A aprovação na assembleia foi por unanimidade, sob coordenação do deputado estadual Luiz Alberto Goebel. Migrante de Cascavel (PR), ele construiu o patrimônio em atividades legais como o transporte de toras. É presidente do Partido Verde no estado e líder do governador Marcos Rocha (PSL).
Rocha, um ex-oficial da Polícia Militar, cultiva o hábito de tropeçar nas leis. Ano passado, por exemplo, censurou 43 livros na rede estadual de ensino por considerá-los “comunistas”. Talvez nunca tenha lido, mas vetou obras de Rubem Fonseca, Edgar Allan Poe, Franz Kafka e Euclides da Cunha, entre outros. Em outra decisão, suspendeu a vacina obrigatória contra a aftosa, marginalizando Rondônia das normas sanitárias nacionais e do acordo internacional de saúde animal. Fora da lei, logo voltou atrás nos dois casos.
A nova legislação ambiental patrocinada pelo Partido Verde em Rondônia está em harmonia com a pauta pretendida em Brasília pelo deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), um dos mais influentes na bancada ruralista.
Moreira é dos mais experientes do lobby parlamentar do agronegócio, mas seria erro enquadrá-lo na mesma moldura dos ruralistas trogloditas. Costuma atuar com toques de moderação. Ele foi vereador, prefeito da cidade de Osório (RS), presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e comanda o MDB gaúcho.
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Moreira viu uma chance de entregar a Jair Bolsonaro um instrumento com o qual ambos sonham há tempos: a saída do Brasil da Convenção sobre Povos Indígenas da Organização Internacional do Trabalho.
O resultado prático seria a liberação de acesso e intervenções “do Poder Público e dos particulares” — como ele descreve no projeto de Decreto Legislativo que apresentou —, em todas as áreas indígenas do país, sem exceções.
São muitas, espalhadas mas com a maior parte concentrada na Amazônia. Somadas, têm o tamanho do Estado do Pará. Equivalem a 12,9% do território brasileiro, pelos cálculos da Funai
Moreira considera “vaga e sem precisão” a Constituição no trecho (artigo 49) onde define o Congresso como árbitro competente para “resolver definitivamente sobre tratados”. O Supremo Tribunal Federal analisa esse aspecto, mas a decisão está pendente desde 2019.
O líder da bancada ruralista quer induzir a Câmara e o Senado a se antecipar ao STF. Pretende obter autorização para Bolsonaro retirar o Brasil da convenção da OIT (nº 169) sobre a proteção dos direitos indígenas.
Encontrou a oportunidade dentro do texto desse acordo: a cada dez anos, os países participantes têm 12 de meses de prazo para, se desejar, “denunciar” — ou seja, sair — desse contrato internacional.
O tratado está em vigor há três décadas, desde a quinta-feira 5 de setembro de 1991. Moreira pegou um calendário e calculou: o próximo prazo para saída começa a valer no primeiro domingo de setembro e acaba na primavera de 2022.
A sintonia entre a ala do Partido Verde em Rondônia e a bancada ruralista na Câmara tende a resultar em mais ruído. Governo, Legislativo e partidos parecem decididos a reforçar a imagem do Brasil como vilão ambiental às vésperas da reunião da ONU sobre mudanças climáticas.